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João Pataco II

“Devia estar num lar”, dizem alguns, preocupados com os sem-abrigo que desfeiam a cidade e incomodam as consciências.

Vendo bem, era muito mais cómodo – para ele, que teria comida, um teto e um banho, e principalmente para nós, que não teríamos de vê-lo a lembrar-nos a tristeza, a solidão e a miséria humana.

Mas ele não quer, não aceita que lhe imponham uma vida espartilhada entre paredes e horas. Prefere, apesar de tudo, sonhar que é livre e que ninguém, a não ser ele próprio, lhe comanda o destino – vida ou morte. Esta, afinal, é mais do que certa. Prefere esperar por ela cá fora, contando pássaros e estrelas e partilhando a cidade com os outros, na falsa ilusão de uma vida normal.

Liberdade ilusória. O Pataco conta pássaros e estrelas, mas não pode entrar onde quer nem quando quer.

Liberdade ilusória, porque no fundo não foi uma escolha dele. O destino tirou-lhe a vitalidade e nesse roubo foi-se a hipótese de escolher o que quer que fosse.

Ilusão de liberdade, ainda, porque nem nas coisas mais elementares há uma escolha. Come o que lhe dão, dorme no banco que estiver desocupado e anda pela cidade enquanto lho permitirem.

De seu, tem um saco, a muleta e toda uma vida para contar.

Tem tanto para dizer, o Pataco. Basta que o oiçam. Ele tem todo o tempo. Nós não. Aliás… se virmos bem, que diferenças tão grandes é que existem entre nós e os Patacos? Às vezes é um momento, um acaso, uma escolha. É isso que faz a diferença e nos coloca no limiar entre o abismo e o lado de cá do muro, entre o desespero e a segurança.

Quem és afinal, Pataco? Que outro poderias ter sido? E nós?

Ele calou-se, exausto. Há muito que não falava tanto. Agora fechou-se em si. Talvez noutra hora continue. Tem tanto para dizer. Mas a vida, madrasta, cansou-o. Hoje já falou demais. Amanhã…quem sabe?

Texto – Maria João Ruivo
Fotografia – José Franco 2008

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